Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

sábado, 25 de agosto de 2007

Obscenidades

Sabe a experiência do grão de feijão colocado para brotar no chumaço de algodão molhado? Você a fez, quando estava na escola? Será que ainda fazem isso? Quando eu era pequeno ficávamos só com o grão de feijão, mas sei que atualmente algumas escolas dão noções de agricultura e culinária de verdade, com experiências práticas, e a criançada se diverte muito. Nas calçadas da minha infância, eu via as meninas brincando de comidinha com panelas de plástico colorido, cheias de água e grama, mas hoje os meninos também são incentivados a conhecerem os ingredientes e alquimias da cozinha, ou através da escola ou pelo exemplo dado em casa pelo pai. Com o boom de popularidade que a gastronomia teve nos últimos anos, é notável o número cada vez maior de homens se dedicando ao assunto. Bem legal.
De minha parte fiquei longe de virar um chefe de cozinha, mas aquele grão de feijão brotando quase que por mágica me estimulou mais tarde a usar todo um canteiro no quintal – depois de convencer a minha mãe – para plantar, cuidar, ver crescer, colher e finalmente comer a safra inteira do "meu" feijão. Uma delícia, por sinal. Negociei a seguir um quadrado que abri no meio do gramado, e dali surgiram cenouras e rabanetes, que comi feliz da vida. Então, antes que destruísse o resto do pátio de casa, fui sendo gentilmente convencido a parar com as plantações, uma vez que já sabia como funcionava o processo todo, da semente à comida no prato, por experiência própria.

Comer é tão fundamental que querer saber sobre comida é mesmo inevitável, e o interesse espontâneo das crianças sobre o assunto demonstra isso. As escolas fazem bem em proporcionar a experiência da horta, mas não proporcionam a experiência do abatedouro. Tudo bem que é um tipo de lugar realmente barra-pesada, mas podiam exibir um vídeo e assim cumprir com a obrigação de educar sem precisar expor os alunos ao cheiro nauseante e aos respingos de sangue, e nem isso fazem. Por quê?

Antes que você me condene pela sugestão didática extrema, deixa eu contar mais um episódio de escola. Com 13 ou 14 anos de idade meus colegas e eu fomos submetidos a uma projeção de slides contra o aborto. Se educativo não sei, mas foi certamente coerente, já que se tratava de uma escola católica, de irmãos lassalistas. Os slides traziam imagens fortes, e no que toca a chocar ou não as sensibilidades do público-alvo eram despudoradamente a favor da primeira opção. Quase 30 anos depois, ainda lembro do feto de seis meses abortado, jogado dentro de um balde num hospital norte-americano. Uau. Quem acha que escolas católicas são aborrecidas, que reveja sua opinião!

Agora eu pergunto de novo: por que não mostrar às crianças como funciona um abatedouro? Aliás, por que não mostrar nem aos adultos como funciona um abatedouro? Você sabe como é lá dentro, ao longo de toda a linha de produção? Eu aposto que não. Ou melhor, sabe sim, mas só o suficiente para não querer saber mais. O suficiente para, provavelmente, achar absurda a idéia de expor uma criança a esse tipo de cena. De certas coisas a gente pode até saber, mas não fala, não vê, não discute. Essas são as coisas obscenas, ou seja, devem permanecer escondidas porque ferem o pudor. Se é chocante ver um animal ser morto, por que é menos chocante ver um pedaço desse animal sendo mastigado em plena hora da refeição? Ou: se é bonito ver alguém atacando com prazer um naco de carne no espeto, por que não é bonito mostrar como foi atacada essa mesma carne um segundo antes de virar coisa morta?

Por que a produção de parte do que comemos é obscena?

Se uma criança não pode ver nem saber como é produzida a comida que é colocada no seu prato, então há algo de errado com essa comida. É paradoxal que quanto mais sofisticamos e popularizamos a gastronomia, menos conhecemos de fato do que e como é feito o alimento. Abstrato demais para um dos aspectos fundamentais da vida, como qualquer criança sabe. Com comida a gente deve se relacionar de maneira direta e integral. Despudoradamente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem, tive sorte em relação com escola e experiências com alimentação!
E agora sou veg e lendo sua blog foi porque minha professora de biologia do pre-vestibular passou a 'A Carne é Fraca'.

Cleber disse...

Legal, Janaína, bem bacana a tua professora! Adoraria ter visto e lido tudo o que ando vendo e lendo agora há muito mais tempo... Enfim, antes tarde do que nunca!
Brigadão pela visita!