Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

sábado, 29 de setembro de 2007

Aula de matemática e de...






Crescimento da produção anual mundial:

carnes
  • 1999/2001 = 229 milhões de toneladas;
  • 2050 = 465 milhões de toneladas.
laticínios
  • 1999/2001 = 580 milhões de toneladas;
  • 2050 = 1 bilhão e 43 milhões de toneladas.








Ocupação da terra:
  • 30% da superfície terrestre estão destinados à criação de gado (principalmente pastagens);
  • 33% da superfície cultivável estão destinados ao cultivo de forragem;
  • 70% do desflorestamento amazônico devem-se à criação de áreas de pastagem.








A pecuária é responsável por:
  • 9% das emissões de CO2 procedentes de atividade humana;
  • 65% das emissões de óxido nitroso (que no efeito estufa é 296 vezes mais danoso do que o CO2);
  • 37% das emissões de metano (que no efeito estufa é 23 vezes mais danoso do que o CO2);
  • 64% do amoníaco (que contribui com a formação de chuva ácida).







  • 20% da biomassa animal terrestre são constituídos de animais de criação (carne e leite). O impacto da ocupação de terra destinada ao gado e cultivo de forragem é responsável direto pela perda de biodiversidade em 24 ecossistemas importantes, dos quais 15 já se encontram ameaçados.







  • A atividade pecuária contribui mais com o aumento do efeito estufa do que a emissão de poluentes dos meios de transporte.



[ dados da FAO (Food and Agriculture Organization), das Nações Unidas, cujo relatório é tema da matéria "Pecuária é séria ameaça ao meio ambiente", que você lê aqui (em inglês) e aqui (em espanhol). O documento completo, "Livestock's long shadow", você encontra aqui ]

sábado, 22 de setembro de 2007

Ver para crer

"Imagem divulgada pela Nasa mostra que o degelo do oceano Ártico quebrou todos os recordes e encolheu neste ano mais de 1 milhão de quilômetros quadrados." (UOL, 22/09/2007)












[ foto: Reuters/Nasa ]

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O prazer da carne

Está na Wikipédia: "Na psicanálise de Sigmund Freud, o princípio de prazer é o desejo de gratificação imediata. Tal desejo conduz o indivíduo a buscar o prazer e evitar a dor. O princípio de prazer opõe-se ao princípio de realidade, o qual caracteriza-se pelo adiamento da gratificação. Faz parte do amadurecimento normal do indivíduo aprender a suportar a dor e adiar a gratificação. Ao fazer isso o indivíduo passa a reger-se menos pelo princípio de prazer e mais pelo princípio de realidade."

Com Freud abrindo o post, não há como não acabar falando em sexo: puro sexo instintivo, bem básico, bem natural, descomplicado e gostosamente burro, sexo selvagem, sexo como princípio-de-tudo e onde tudo-é-permitido.

Mas isso existe?

Eu não conheço, e duvido que você conheça. Tem assim de vez em quando uns fiapos, uns ecos distantes de alguma coisa antiga, ancestral, uma pulsação nos conectando diretamente com o primeiro hominídeo bípede, ou mesmo com nosso primeiro parente sexuado. Mas isso são resquícios, ilhotas primitivas que afloram num oceano de conceituações e, inevitavelmente, problematizações. Veja só, logo o sexo, o prazer mais fundamental, tão sujeito a complicações. O básico dos básicos vira arena para todo tipo de questionamentos, hierarquias, legislações e, claro, moralidades.

Aí eu pergunto: o que você acha da prostituição infantil no litoral nordestino? Antes de fechar a questão com uma exclamação indignada, pense bem no atrativo turístico desse mercado, nas divisas em dólar e euro deixadas no comércio local, no sustento dos empregos nas companhias de aviação, agências de viagem, restaurantes, etc., etc., etc. Pense também no prazer indubitável do gringo americano ou europeu alucinado pela brasileirinha de 12 anos: como, afinal, condená-lo?

Hein? Tô falando em pedofilia? Tô defendendo a pedofilia?

Defendendo, não, mas falando, sim. A palvra vem do grego paidophilia, uma junção de "criança" e "amizade" (nesse caso, atração por). Os mesmos gregos antigos que, ao contrário da crença generalizada, não eram a favor da homossexualidade entre parceiros da mesma faixa etária, mas tinham, isso sim, em grande conta pedagógica a convivência homoerótica masculina entre um adulto (erastes) e um menino pré-púbere (eromenos). Altamente hierarquizada e protocolar, a relação entre o rapazinho e seu amigo adulto os mantinha ligados até que o buço surgisse naquele, quando as primeiras manifestações do corpo de homem faziam com que ele deixasse de ser desejável aos olhos do mais velho. Mas antes disso, muita conversa, jogos, educação política e filosófica e, last but not least, coito intercrural, que ninguém é de ferro. Com a chegada da barba, era a vez do eromenos se transformar em erastes e buscar para si um jovenzinho atraente. Era assim entre os cidadãos livres: o erastes obtinha gratificação erótica na beleza e juventude florescente do eromenos, para quem era uma honra despertar o interesse do homem mais velho, significando a garantia da educação mais completa que se podia ter então.
O incrível é que os gregos forneceram a base sobre a qual os romanos construíram, entre tantas coisas, a sua legislação, a noção de justiça e legalidade da qual somos herdeiros diretos, e que usamos hoje para colocar atrás das grades qualquer adulto que se atreva a ter contato sexual com menores. Os gregos também nos legaram os fundamentos da medicina ocidental, e hoje a pedofilia é item do CID (Catálogo Internacional de Doenças, da Organização Mundial de Saúde). É provável que Platão se escandalizasse ao ver o turista assediando a menina no calçadão da praia, mas certamente devido ao fato de se tratar de uma menina. Fosse um moleque, à chegada da polícia e diante da cena do gringo algemado, Platão diria em bom dialeto ático: "Ué, gente, o que é que tem de mais?"

Mas este mundo dá voltas, não?

Falando a partir do ponto de vista do sujeito ativo da ação, pessoalmente não tenho a menor atração por coisas e pessoas infantis, mas mesmo assim devo entender que um homem adulto pode se sentir internamente justificado a ponto de cruzar o oceano e se arriscar a ser preso, pouco importando se damos ou não a isso o nome de doença e crime. É o princípio de prazer gritando dentro dele, e o erro fundamental aqui é ter nascido na época e/ou sociedade errada. Outro tempo e outro lugar, crime e doença desapareceriam como que por encanto, e nem precisava ser na Grécia clássica: pouco mais de cem anos atrás, um senhor branco fazia o que queria com a menina escrava sob inteira tutela da lei, e longe da esfera da doença (pelo contrário: o defloramento de negrinhas virgens era tido como remédio certeiro contra a sífilis). Agora, lembrando que existe a outra ponta que é vítima dessa ação, eu continuo entendendo que esse homem tem seu desejo, mas no que depender de mim ele não terá a mínima chance de fazer qualquer coisa com qualquer menor de idade. Por maiores que sejam os benefícios colaterais em dólar ou euro, sabemos que a menina tem de estar em outro lugar que não as calçadas da prostituição, e ponto. Isso está baseado no que entendemos hoje por direitos da infância e deveres dos adultos. É o princípio de realidade do nosso aqui e agora.

Pra quem gosta de explicações naturalistas para os comportamentos, aproveito para lembrar que entre os golfinhos, nossos parentes inteligentíssimos e de organização social complexa, é comum que indivíduos adultos se masturbem usando o corpo dos mais jovens. Ahá! Quem sabe aqueles gregos sofisticados esfregando os genitais entre as coxas dos meninos não estavam simplesmente dando vazão a um imperativo biológico absolutamente natural?

Não, claro que não. Sexo totalmente burro, de pura corporalidade e isento de conceitualizações já devia ser uma impossibilidade para os pintores de Lascaux, que dirá para os contemporâneos de Platão. Moral da história: os prazeres que buscamos permanentemente nas ações da nossa vida diária nunca são assim tão simples, muito menos naturais e justificáveis apenas "porque sim". Ainda que de vez em quando alguma ilhota de pura fruição primitiva nos lembre de uma ancestralidade não-conceitual, todo o resto é negociação permanente entre os princípios de prazer e realidade, como nos ensina Freud.
Então, da próxima vez que em resposta à evidência do abatedouro você justificar o bife no prato simplesmente "porque dá prazer", lembre dos gregos antigos, dos golfinhos e dos pedófilos. Trate de colocar em perspectiva prazeres e realidades de uma maneira que contemple todos os termos dessa equação. Lembre da vaca. E da menina prostituída no calçadão à beira-mar também.

[ a ilustração é um detalhe de uma figura vermelha ática, c. 530-430 A.C., acervo do Ashmolean Museum, University of Oxford; para saber mais sobre práticas homossexuais gregas, leia A homossexualidade na Grécia antiga, de K. J. Dover, editado pela Nova Alexandria ]

terça-feira, 18 de setembro de 2007

O difícil é muito fácil

O mundo está entupido de produtos de origem animal, nos quais se baseia grande parte do comércio, da indústria, da moda, dos cardápios e dos costumes. São aqueles velhos hábitos na hora de comer, de vestir e, principalmente, na hora de pensar. Aí chega uma informação, uma notícia, um susto – aqui poderiam entrar dezenas de exemplos, mas vou resumir dizendo simplesmente: a certeza de que alguma coisa muito feia, injusta e eticamente condenável acontece aos animais não-humanos para que se sustentem os nossos velhos hábitos de animais humanos. Pode ser o couro da sandalinha hippie ou do estofamento daquele carro "sonho de consumo"; o tapete de ovelha ou a gola de pele no casaquinho de grife; o leite dentro do chocolate ou o queijo importado só para connaisseurs; o xampu em embalagem promocional de meio litro ou o item de maquiagem que custa três dígitos, enfim, não importa se o horror vem embutido no dog com duas salsichas ali da esquina ou se manifesta na carne de javali daquela churrascaria caríssima, o fato é que estamos cercados. Chega a informação da crueldade cometida e imediatamente nos damos conta do quanto estamos dependentes dela. Que difícil.

A negação do aspecto cruel através da objetificação absoluta dos animais (são apenas "coisas") é uma das possibilidades de superação da dificuldade desse cenário, mas poucos entre nós de fato apelam para isso. Por "nós" eu quero me referir aqui aos que temos acesso à Internet e visitamos blogs, é claro. Pois bem, nós costumamos ir um pouco além dessa negação, pois sabemos que animais não são coisas, e nós amamos os animais. Nós somos contra os maus-tratos ao leão de cirquinho pobre do interior. Nós não gostamos de rodeio. Nós achamos cafona quem usa casaco de pele. Nós lemos. Nós sabemos a diferença entre Renascimento e Barroco. Nós fazemos terapia. Nós somos sensíveis, inteligentes, críticos. Um degrau acima dos instintos básicos de quem simplesmente curte a apresentação patética do leão maltratado no circo, temos a tarefa bizarra de compatibilizar a responsabilidade pela crueldade indesculpável com os prazeres resultantes dela. E isso apenas para que as coisas fiquem do jeito que estão. Com uma incrível complexidade lançamos mão de toda a arte e toda a ciência para justificarmos simultaneamente nossa crítica à tourada e nosso elogio ao boi na churrasqueira. Isso sim é que é difícil, e acaba se tornando uma verdadeira acrobacia ética, cujos movimentos desenham o que Gary Francione bem definiu como "esquizofrenia moral".
Uma vez que tenhamos algum entendimento do outro e alguma noção de responsabilidade, o dispêndio de energia para manter os velhos hábitos no lugar de sempre a despeito das evidências em contrário vai ficando cada vez maior. Permanecer no mesmo ponto significa continuarmos a depender de práticas cruéis cujos responsáveis somos nós, e essa é realmente uma situação difícil.

Pois então é muito fácil: basta sairmos de onde sempre estivemos.

[ textos de Gary Francione em que ele fala de esquizofrenia moral, você lê aqui, aqui e aqui (em inglês) ]

domingo, 2 de setembro de 2007

Em defesa da vaca e de todos nós

Pieter Bruegel, o Velho. Cego guiando cegos. 1568.

Este post é uma resposta ao texto publicado na coluna de David Coimbra em 31 de agosto de 2007, no jornal Zero Hora, intitulado "Em defesa da vaca" [que você pode ler aqui ].

Prezado David, mal te conheço. Não sou leitor de Zero Hora, então não acompanho tua coluna. Te vi uma vez ou duas no Café TVCOM e já ouvi teu nome por aí algumas vezes, o suficiente para que eu saiba quem és, mesmo não conhecendo tua escrita. Ontem recebi um e-mail com dois textos rebatendo o que escreveste na última sexta-feira. Entrei no site da RBS e fui atrás da tua coluna. "Em defesa da vaca" é o título. Pois olha, embora já soubesse mais ou menos do que se tratava através dos textos que recebi por e-mail, fiquei muito impressionado com a tua crônica. Eu não entendi, David. Quer dizer, entendo como funciona a lógica de quem não enxerga na questão dos direitos animais qualquer importância. Para alguns nem mesmo de uma questão se trata. Já para mim (e para os castradores de gatos e vegetarianas a que te referes) sim, é um questão e é das mais importantes, mas não te escrevo para debater sobre isso. Te escrevo porque, como disse, não entendi o ponto exato da tua crônica. Não entendi tua motivação, onde colocaste o teu olho de cronista. Não entendi teu humor. Mas entendo que a beleza da crônica, esse gênero tão difícil porque tão cotidiano, tão de pertinho, está justamente no desafio a essa simplicidade. Mesmo sobre o assunto mais banal, o cronista é o sujeito que nos leva junto com ele, nos desloca para que olhemos as velhas coisas com alguma renovação de sentido. O já sabido vira outra coisa, às vezes mais humorada, às vezes mais triste, mais surpreendente, o que seja: o já sabido vira coisa nova em folha porque o cronista nos dá de presente um olhar que acabou também de surgir, em pleno ato da leitura.

"Em defesa da vaca" me deu a sensação oposta. Me senti sem ar, envelhecido, triste. O teu olhar de cronista me levou para um lugar conhecido e francamente desinteressante. Sem trocadilhos, um lugar-comum, e não entendi a tua motivação de levar o leitor justo pra esse lugar, não vi graça nenhuma nisso. Sabe por quê, David? Porque a tentativa de humor que há no teu texto está baseada em ignorância. Falas de uma vaca clichê, uma galinha clichê e as tuas considerações sobre "as vegetarianas" e os "castradores de gatos" também são clichê. Falas sobre esse animais e esses humanos como se estivesses num lugar muito distante deles. Como aquele sujeito que ri apontando para o outro, e nunca com o outro. Esse humor grosseiro é comum, óbvio, tem sempre um sujeito assim ali na esquina. A gente não precisa abrir o jornal para encontrá-lo. Deixa eu te lembrar de uma coisa: o pessoal, por exemplo, que se manifestou contrariamente à Expointer certamente já comeu churrasco algum dia. Já comprou um casaco de couro e, quem sabe, é provável mesmo que a gente encontre ali alguém que já achou que estava muito distante dos vegetarianos castradores de gatos. Igualzinho a ti. Mas alguma coisa aconteceu e essa gente hoje protesta em defesa dos direitos animais. Isso não te desperta o mínimo de curiosidade? E tem gente de todo tipo, toda idade, toda inclinação política, toda formação. Uma pergunta, uma consulta ao Google ou à prateleira de qualquer livraria e já saberias da dimensão do que estou falando. Mas, de repente, ficam todos apequenados no teu texto, cabem todos miniaturizados dentro do clichê que escolheste. Essa gente, David, entendeu que num mundo em que convivem vacas, galinhas e humanos tudo é, necessariamente, perto, e há sim inúmeras questões importantes a resolver. O lugar distante em que te acreditas e de onde falas serve, na verdade, pra muito pouca coisa, e é certamente perigoso para um jornalista estar. Para um cronista, então, há de ser o pior lugar do mundo.