Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

domingo, 2 de setembro de 2007

Em defesa da vaca e de todos nós

Pieter Bruegel, o Velho. Cego guiando cegos. 1568.

Este post é uma resposta ao texto publicado na coluna de David Coimbra em 31 de agosto de 2007, no jornal Zero Hora, intitulado "Em defesa da vaca" [que você pode ler aqui ].

Prezado David, mal te conheço. Não sou leitor de Zero Hora, então não acompanho tua coluna. Te vi uma vez ou duas no Café TVCOM e já ouvi teu nome por aí algumas vezes, o suficiente para que eu saiba quem és, mesmo não conhecendo tua escrita. Ontem recebi um e-mail com dois textos rebatendo o que escreveste na última sexta-feira. Entrei no site da RBS e fui atrás da tua coluna. "Em defesa da vaca" é o título. Pois olha, embora já soubesse mais ou menos do que se tratava através dos textos que recebi por e-mail, fiquei muito impressionado com a tua crônica. Eu não entendi, David. Quer dizer, entendo como funciona a lógica de quem não enxerga na questão dos direitos animais qualquer importância. Para alguns nem mesmo de uma questão se trata. Já para mim (e para os castradores de gatos e vegetarianas a que te referes) sim, é um questão e é das mais importantes, mas não te escrevo para debater sobre isso. Te escrevo porque, como disse, não entendi o ponto exato da tua crônica. Não entendi tua motivação, onde colocaste o teu olho de cronista. Não entendi teu humor. Mas entendo que a beleza da crônica, esse gênero tão difícil porque tão cotidiano, tão de pertinho, está justamente no desafio a essa simplicidade. Mesmo sobre o assunto mais banal, o cronista é o sujeito que nos leva junto com ele, nos desloca para que olhemos as velhas coisas com alguma renovação de sentido. O já sabido vira outra coisa, às vezes mais humorada, às vezes mais triste, mais surpreendente, o que seja: o já sabido vira coisa nova em folha porque o cronista nos dá de presente um olhar que acabou também de surgir, em pleno ato da leitura.

"Em defesa da vaca" me deu a sensação oposta. Me senti sem ar, envelhecido, triste. O teu olhar de cronista me levou para um lugar conhecido e francamente desinteressante. Sem trocadilhos, um lugar-comum, e não entendi a tua motivação de levar o leitor justo pra esse lugar, não vi graça nenhuma nisso. Sabe por quê, David? Porque a tentativa de humor que há no teu texto está baseada em ignorância. Falas de uma vaca clichê, uma galinha clichê e as tuas considerações sobre "as vegetarianas" e os "castradores de gatos" também são clichê. Falas sobre esse animais e esses humanos como se estivesses num lugar muito distante deles. Como aquele sujeito que ri apontando para o outro, e nunca com o outro. Esse humor grosseiro é comum, óbvio, tem sempre um sujeito assim ali na esquina. A gente não precisa abrir o jornal para encontrá-lo. Deixa eu te lembrar de uma coisa: o pessoal, por exemplo, que se manifestou contrariamente à Expointer certamente já comeu churrasco algum dia. Já comprou um casaco de couro e, quem sabe, é provável mesmo que a gente encontre ali alguém que já achou que estava muito distante dos vegetarianos castradores de gatos. Igualzinho a ti. Mas alguma coisa aconteceu e essa gente hoje protesta em defesa dos direitos animais. Isso não te desperta o mínimo de curiosidade? E tem gente de todo tipo, toda idade, toda inclinação política, toda formação. Uma pergunta, uma consulta ao Google ou à prateleira de qualquer livraria e já saberias da dimensão do que estou falando. Mas, de repente, ficam todos apequenados no teu texto, cabem todos miniaturizados dentro do clichê que escolheste. Essa gente, David, entendeu que num mundo em que convivem vacas, galinhas e humanos tudo é, necessariamente, perto, e há sim inúmeras questões importantes a resolver. O lugar distante em que te acreditas e de onde falas serve, na verdade, pra muito pouca coisa, e é certamente perigoso para um jornalista estar. Para um cronista, então, há de ser o pior lugar do mundo.

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