Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

sábado, 17 de novembro de 2007

Abrace a Amazônia pelo fim do desmatamento















Enquanto o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulga seu quarto relatório, com notícias ainda piores sobre a velocidade das transformações climáticas causadas pelo aquecimento global, o Greenpeace Brasil promove uma ciberação de abraço virtual na Amazônia, com texto endereçado ao presidente Lula pedindo pela redução a zero do desmatamento até 2015. Basta entrar no site e se integrar à corrente.

Participe: http://www.greenpeace.org.br/desmatamentozero/

[ o site do IPCC você acessa aqui ]

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Assimetria

Acabo de ler o ótimo livro de Carlos Michelon Naconecy, Ética e Animais (EDIPUCRS, 2006), que tem como subtítulo "um guia de argumentação filosófica" e trata, basicamente, disso: elencar as justificativas mais comuns que sustentam o pensamento dominante de exploração dos animais e quais são os contra-argumentos éticos correspondentes, caso a caso. Uma rápida noção introdutória sobre ética (filosofia para não-filósofos e tipos de teorias éticas) abre o volume, e a descrição sucinta das principais vertentes da defesa dos animais o completa. Pena o autor não citar, nem como sugestão de leitura, os textos de Gary Francione, especialmente a crítica à abordagem bem-estarista que surge das brechas deixadas pelo utilitarismo de Peter Singer, mas esse assunto por si só – quem sabe? – pode render um outro livro inteiro.

Da leitura, feita num só fôlego, saí com a sensação muito concreta da enorme assimetria entre a defesa do direito ao bife e a defesa do direito do boi. Os argumentos colocados tão didaticamente lado a lado fazem a delícia de quem aprecia exercícios lógicos, mas fazem mais: redundam, por diversos caminhos, a divergência básica das motivações que estão por trás de uma e outra posição. A questão-chave colocada pelo ativismo dos direitos animais é bastante enxuta: a afirmação de que devemos incluir os animais não-humanos no círculo da comunidade moral atualmente contemplada pelas nossas preocupações éticas. Quem defende o direito ao bife responde a isso dizendo: "Não."

Claro, você sabe e eu sei que a maior parte das pessoas que defendem seu bife não se acredita deliberadamente vetando considerações de cunho ético sobre o boi. Talvez porque não haja consciência de que uma coisa está implicada na outra, e um bom exemplo recorrente é a revolta espontânea contra maus-tratos sofridos pelos animais. Recentemente a mídia nacional reproduziu a reportagem do Jornal do Almoço, um dos programas de TV mais antigos e mais vistos no Rio Grande do Sul, sobre as "corridas de bois de canga" na fazenda do pai do prefeito de Vale Verde, interior do estado. A começar pelas apresentadoras do programa, todos se mostraram "chocados" porque os bois (na verdade, touros), durante a competição em que ficavam presos à canga, além de tudo eram cutucados com uma vara que tinha pregos na ponta. A matéria da TV mostrou com nitidez um fiapo de sangue escorrendo do corpo de um deles. Bom, só de lembrar que a maioria dos gaúchos assistiu a essa reportagem enquanto almoçava provavelmente alguma comida à base de carne, é de causar espanto que alguém tenha se espantado... Um fio de sangue e o uso dos animais para jogatina são ocorrências mais que suficientes para condenar a todos os envolvidos nessa crueldade, mas de onde vem e por qual processo as pessoas imaginam que o bife se materializa nos seus pratos?

Não precisamos de varas com pregos, o bife cotidiano já é a negação do visto de entrada do boi na comunidade moral; a partir disso, qualquer consternação pelos maus-tratos sofridos pelo animal vai ser necessariamente fruto de ignorância, incoerência ou cinismo. Diz Naconecy:

"Nós pressentimos os inconvenientes que uma ética para os animais traria para nossos interesses, uma vez que, obviamente, os interesses dos membros de qualquer grupo são mais bem atendidos mantendo o tamanho desse grupo reduzido."

O autor segue citando Dale Jamieson:

"Quanto maior for a participação na comunidade dos iguais, menores serão os benefícios que recebem seus membros. Essa é, em parte, a razão pela qual tem havido uma resistência histórica à ampliação do círculo da preocupação moral. As elites da sociedade têm resistido à reclamação de igualdade por parte das classes inferiores; os homens têm resistido às reclamações das mulheres, e os brancos têm oferecido resistência às reivindicações dos negros. A perda de vantagens injustas é parte do custo da vida em uma sociedade moralmente bem-ordenada, mas é típico que os que têm que pagar por esse custo tratem de evitá-lo."

Eis a assimetria: os discursos da defesa do bife e da defesa do boi falam fundamentalmente sobre como devemos nos comportar, mas enquanto a motivação deste último se baseia na ampliação da visão que passa a enxergar no boi um Outro, os que defendem seu bife estão apenas fazendo isso mesmo: tratando de garantir "o seu", não importa o quanto levantem as sobrancelhas diante de uma matéria chocante na TV em plena hora do almoço.

[ a imagem que ilustra o post foi retirada da matéria do Jornal do Almoço, que você pode conferir aqui; a citação de Naconecy está na página 67, onde também está o trecho de Jamieson citado pelo autor (que você pode ler, na íntegra e em inglês, aqui) ]

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Deslocar para não sair do lugar


Recebi um e-mail da Lut repassando a notícia de que um artista plástico costa-riquenho apresentou o seguinte trabalho numa exposição: um cão de rua, esquálido e doente, foi amarrado num canto da galeria e ali ficou, sem que lhe dessem água nem comida, até morrer. Em seguida se conta que esse mesmo artista foi um dos escolhidos para representar seu país na Bienal Centroamericana Honduras 2008, e se conclama o leitor a assinar uma petição pelo boicote à sua presença no evento.

Fui checar a informação na Internet e há de fato muito material sobre o assunto, diversos blogs comentado o caso e, claro, com as pessoas reagindo indignadamente. Com toda razão.


A exposição ocorreu em Manágua, e a matéria de 4 de outubro do jornal La Nación, da Costa Rica, conta como foi. Transcrevo abaixo algumas partes:

"El artista costarricense Guillermo Vargas, más conocido como Habacuc , está envuelto en una gran polémica debido a la muerte de un perro callejero dentro de Exposición N° 1 , muestra que se realizó en agosto pasado en Managua (Nicaragua). [...]
Como parte de su exposición, el artista enfrentó al espectador a un perro callejero flaco, enfermo y con hambre amarrado a la esquina de la sala. Él capturó al animal en un barrio pobre de Managua. El perro murió tras un día en la exposición [...]. La muestra también incluyó la frase, escrita con alimento de perro, 'Eres lo que lees' [...]"

O artista, que deu ao cão o nome de Natividad, disse que o trabalho era uma homenagem a Natividad Canda, nicaragüense que morreu após ter sido atacado por dois cães rottweiler. Segue a matéria:

"'Me reservo decir si es cierto o no que el perro murió. Lo importante para mí era la hipocresía de la gente: un animal así se convierte en foco de atención cuando lo pongo en un lugar blanco donde la gente va a ver arte pero no cuando está en la calle muerto de hambre. Igual pasó con Natividad Canda, la gente se sensibilizó con él hasta que se lo comieron los perros', explicó .

Incluso agregó: 'Nadie llegó a liberar al perro ni le dio comida o llamó a la policía. Nadie hizo nada'.

Al ser cuestionado acerca de si alimentó al animal o no, el artista se negó a responder.¿Por qué no usó otro medio de expresión? 'Recojo lo que miro... El perro está más vivo que nunca porque sigue dando qué hablar', dijo."

São Francisquinho de Assis, valei-nos!

Tomado como obra artística, esse exercício de crueldade é fraco "do primeiro ao quinto", numa expressão antiga que meu pai gostava de usar. Quase não há o que falar a respeito, mas para não passar batido quero apontar apenas a falha óbvia: o artista pretende denunciar a hipocrisia do público que só "vê" o cão quando este está deslocado da rua, mas para efetivar sua denúncia tem de incorrer em hipocrisia igual ou pior: acaso ele vê o cão de maneira tão distinta assim? Ele se exime de dizer se a sua atitude de deixar o cão à morte é certa ou errada, mas propõe que o público seja julgado. Mas de onde, de que planeta esse sujeito está falando? Quem ele pensa que é? Apesar de se acreditar diferente "de la gente", já que ungido de justificativa artística, o discurso pretendido só faz desmoronar sobre si mesmo. Não há crítica nem julgamento, o que há é redundância, uma oitava acima. Ele vai em busca do desgraçado num bairro pobre de Manágua (onde para capturá-lo contou com a ajuda de cinco meninos, a quem deu um troquinho), e desde antes está prevendo o próprio trabalho, a instalação na galeria, como será a reação das pessoas, etc. Vê tudo no processo, menos o cão. Argumentar que ninguém fez nada para tirar o animal daquela situação é de uma falta de preparo intelectual que denuncia o artista sem estofo, e de um cinismo que só esclarece o ser humano profundamente perdido em autocentramento. O cão não está mais vivo agora porque segue dando o que falar, é o contrário: falam dele agora justamente porque está morto. Quem parece estar "mais vivo" depois disso é o assassino.


De resto, galerias e vernissages à parte, o que sobra é bem simples: a energia gasta para achar e capturar o cão adoentado e faminto poderia ter sido usada para tentar encontrar uma melhor condição de vida para ele. Até a indiferença mais brutal teria sido menos danosa do que o olhar arrogante que identificou naquele ser um objeto útil para um fim alheio e contrário ao seu mais básico e legítimo interesse: viver.

O que seria, realmente, ver o cão?

Do ponto de vista antiespecista, toda a crueldade cometida contra o pobre cão tem como gerador o fato de ter sido tratado como objeto passível de ter dono. Por não ter dono foi livremente capturado das ruas, e então por ter dono deixaram que ficasse à mercê da vontade deste, esperando a morte numa galeria de arte. Todas as outras discussões são acessórias a esse fato central.

É a crueldade "desnecessária" do artista infeliz para com o cão que detona nossa indignação instantânea, mas não faltam crueldades equivalentes contra animais não-humanos embutidas nas nossas atividades humanas mais cotidianas. Se é possível discutir a partir desse episódio triste algo como "o que é arte" e qual deve ser o limite dessa atividade humana tão nobre, devemos lembrar que também é possível discutir "o que são as necessidades humanas" de companhia, alimentação, vestuário, entretenimento, pesquisa científica, etc.

Sabemos todos, ainda que instintivamente, que não há atividade humana, por mais nobre, que prescinda de um comportamento humanamente responsável.

Respondi ao e-mail da Lut dizendo a ela (pela centésima vez) uma citação de Clarice Lispector: "Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo."

[ as fotos foram tiradas de um blog que documenta a exposição, que você vê aqui; a matéria do jornal La Nación você lê aqui; a petição para o boicote à participação do artista na Bienal Centroamericana Honduras 2008 pode ser assinada aqui ]