Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A outra encruzilhada

Do site do GAE vem a notícia da aprovação do projeto de lei complementar, na Câmara Munipal de Porto Alegre, que "desclassifica como ato lesivo, no Código Municipal de Limpeza Urbana, a deposição em locais públicos de animais mortos, normalmente utilizados em cultos e liturgias de religiões afros". Prossegue a nota:

"Em abril, uma lei que estabelecia multa para quem deixasse restos de animais mortos em vias, rios, arroios e riachos havia sido sancionada e acabou se criando uma polêmica entre religiões.
À época, o texto apresentado pelo vereador Almerindo Filho (PTB), pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, e sancionado pelo então prefeito interino, Eliseu Santos (PTB), ligado à Assembléia de Deus, indicava multa de até R$ 330. Sentindo-se vítimas de preconceito, seguidores de religiões afrobrasileiras protestaram.
Apesar de a norma não fazer referência direta a manifestações de credo, eles afirmaram que a legislação atingia em cheio práticas religiosas afro. É comum, em despachos, deixar restos de animais, como galinha, após oferendas para orixás realizadas nas encruzilhadas.
Autor do projeto, o vereador Guilherme Barbosa (PT) disse que era necessário corrigir o erro trazido pela lei complementar, pois teria causado conseqüências negativas a atividades religiosas que utilizam o sacrifício de animais."

A votação do projeto contou com 20 votos a favor e 6 contra, e agora aguarda a sanção do prefeito.

Essa notícia me chega como um sublinhado na situação vivida nas últimas eleições. Priorizando a questão ambiental e dos direitos animais como filtro na hora em que fui escolher em quem votar para vereador (desde que do PT ou alinhado à esquerda), o cenário oferecido se mostrou francamente desencorajador. Embora pareça paradoxal, a esquerda tende a votar contra os direitos animais, e a direita, a favor. Mas não há paradoxo.

A esquerda, por definição mais sensível ao coletivo e às questões de direitos humanos, não consegue dar um passo além e ampliar as fronteiras da noção de coletividade ou incluir os animais como também sujeitos de direito. A recente votação na cidade pelo fim das carroças é o exemplo mais bem acabado da prática baseada nessa visão de curto alcance: a esquerda votou maciçamente pela continuidade do modelo que, ao pretender proteger o carroceiro, mantém o cavalo condenado à exploração. A extinção das carroças (em oito anos!) foi aprovada, mas por muito pouco, e graças aos partidos de direita. A expectativa pela libertação dos cavalos é inquestionavelmente um fato a ser comemorado, mas fica o desconforto ideológico da aprovação ter se dado nessas circunstâncias.

A direita, por sua vez, pode eventualmente coincidir sua prática política com a defesa dos direitos animais, mas não tem uma gota sequer em seu discurso que contemple de fato esses direitos. Assim como o fim das carroças pode ser desejável apenas em função do ideal do que deva ser uma cidade "desenvolvida" (portanto: cavalos? que cavalos?), a interdição aos despachos nos permite imaginar desde motivações meramente higiênicas até as escancaradamente racistas, e acho que não erraremos muito se deixarmos a imaginação correr solta nesse caso...

O defensor dos direitos animais, seja ele de esquerda ou de direita, continua tendo como tarefa a inclusão dessa pauta no projeto político com o qual se afina. Na política partidária, permanecemos todos sem representação. As convergências, assim, acabam se dando de maneira tão enviezada que estão sempre a um passo de sua própria deslegitimização, e resultam em um desgaste que pode debilitar a luta política pelos direitos animais propriamente dita.

Ah, e sobre os despachos?

Bom, acho que em uma sociedade laica todas as manifestações religiosas devem guardar os limites legais entendendo que estes têm como foro de discussão um ambiente laico. Quanto ao legislativo, é importante lembrar da diferença entre defesa da liberdade de culto e defesa da liturgia do culto. A primeira é obrigação constitucional que diz respeito a todos; a segunda, obviamente, não.

[ a ilustração foi retirada do Codex Magliabechiano (meados do século XVI), e mostra uma cena de sacrifício humano, parte integrante da religião asteca ]

2 comentários:

Vegana disse...

Cleber,

Parabéns pelo seu Blog e sua iniciativa!
Você escreve incrivelmente bem!!!
Eu até li seu site todo rsrs pois sempre dou uma olhada rápida fecho logo os sites...
Muito obrigada
Ana

Cleber disse...

Muito obrigado, Ana, e volte sempre!