"Meu momento preferido aconteceu quando eu disse que jornalistas têm de ter lado, e que o lado dos jornalistas têm de ser o lado dos que mais sofrem. Se me mandassem cobrir o tráfico de escravos no século 18, eu jamais daria destaque, no que escrevesse, à opinião do capitão do navio mercador de escravos. Se me mandassem cobrir a libertação num campo de concentração nazista, eu não entrevistaria o porta-voz da SS. Nesse ponto, um jornalista do Jewish Telegraph em Praga 'argumentou' que 'o exército israelense não é Hitler'. Claro que não. Eu não disse que é."
A atuação historicamente criminosa do Estado de Israel sobre a população palestina suscita merecidamente várias comparações, da África do Sul do apartheid à Alemanha nazista, ainda que Gaza não seja nem Soweto nem o Gueto de Varsóvia. O sofrimento aparece onde surge a agressão, a opressão, a dor, a morte. A constatação da existência do sofrimento deve ser buscada na vítima, e nunca na intenção ou no discurso do agressor. Ou no seu uniforme, na língua que fala, na religião que professa, na sua circunstância histórica. Responder à denúncia da violência através da lógica do agressor é só dar continuidade à agressão cometida. Os partidários da política de ocupação e extermínio do Estado de Israel tratam de desqualificar qualquer comparação com outros agressores históricos pela blindagem dos fatos dentro da sua lógica "nós somos – sempre – apenas as vítimas". Por acaso Barak e Ohlmert são nazistas? Evidente que não: logo, não há lugar para as bombas de fósforo branco se não na categoria "autodefesa". Qualquer outra consideração está de saída condenada a ser ofensiva e vergonhosa prova de antissemitismo. E jamais são trazidos à cena, como se nunca houvessem existido, os cidadãos israelenses judeus que são contra a ação do seu governo (essa brava e tão admirável gente).
Comparações podem e devem ser feitas e esmiuçadas, sem parcialidade e sem blindagem, até que se esgotem por inapropriadas ou se revelem pontos de apoio consistentes para que compreendamos o que ainda não foi compreendido. Mal comparar ou não permitir comparar são as duas faces da mesma moeda de negação dos fatos, que o artigo de Fisk tão bem elucida.
Não há como olhar para qualquer desses massacres deliberados, friamente arquitetados, sem fazer uma comparação com o holocausto diário que os humanos inflingimos aos animais. Olho para Gaza e lembro dos aviários, dos abatedouros, das fazendas de pele, do confinamento das linhas de produção da indústria de exploração animal. Aqui só se ofende com a comparação quem estabelece a diferença entre espécies como a blindagem adequada para escapar dessa discussão. É uma blindagem de fato eficaz, basta olharmos para os números do contador que o blog mantém logo ali acima à esquerda. Eficaz, mas nem por isso livre de buracos de incoerência e inconsistência lógica. Sem hesitação dizemos que os habitantes de Gaza estão "enjaulados como animais", numa comparação óbvia e inquestionável, mas não nos permitimos entender que por sua vez os animais enjaulados sofrem, no mínimo, como sofre hoje a população de Gaza.
Sim, os palestinos de Gaza não são iguais a animais. Mas eu não disse que são.
[ a primeira foto mostra os "alojamentos" no campo nazista de Birkenau; a segunda mostra um aviário. ]
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