Este é um blog sobre direitos animais e veganismo, abordados a partir da experiência de quem não sabia quase nada a respeito até o dia em que.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Puxa, Sonia, que pena

Dezembro passado o Felipe e eu assistíamos ao programa Happy Hour, no GNT, cujo tema do dia era "meter o pé na jaca" no final de ano, ou seja: sobre os excessos alimentares nas festas de Natal e Ano Novo. Entre os convidados, a jornalista e escritora Sonia Hirsch, que há muito tempo tem um trabalho bastante conhecido sobre alimentação e saúde. Lá pelas tantas, Sonia, vegetariana durante anos e que voltou a comer carne, comentou que por causa disso agora era de novo "uma pessoa normal", e acrescentou que, como jornalista, e portanto "curiosa", não podia mesmo ficar restrita por uma dieta cheia de interdições.

Putz!

Sonia se tornou uma referência pra mim depois que li o seu Prato Feito, livrinho cuja primeira edição saiu em 1983, com receitas e dicas sobre alimentação (basicamente) vegetariana que comprei (já na terceira edição), segundo a anotação na folha de rosto, em 17 de dezembro de 1986. Nele, com o seu texto deliciosamente coloquial, ela fala sobre "não ser radical", "seguir a própria intuição" e, principalmente, "nós somos o que comemos". Explica os horrores do açúcar refinado, dos pesticidas agrícolas, dos problemas de hormônios & cia. na criação de animais para o abate e lembra que leite de vaca é coisa para bezerro, não para humanos. Em suma, defende a alimentação vegetariana, ainda que não repudie por completo o consumo de produtos de origem animal, pois entre as receitas estão incuídos: 1) sardinha, 2) camarão, 3) siri, 4) vongoli, 5) polvo, 6) cherne, 7) ovas de tainha, 8) paella, e mais duas receitas de ricota e quatro receitas com peito (porque a carne é menos irrigada) de frango (caipira, é claro). São portanto 14 receitas com ingredientes de origem animal, que ocupam seis das 53 páginas do livro dedicadas a elas. Para alguém cujos dentes sentem saudade de um bife, Sonia recomenda seitan (bife de glúten) e carne de soja.

Quer dizer: a concessão às receitas carnívoras não chega a lançar nenhuma dúvida sobre o foco principal do livro, os benefícios da alimentação vegetariana. Está na página 2:

"E o que mais? Ah, sim, os animais. Ora, deixe os bichinhos em paz. O quê? São bons demais? Bom então tá, se não tem jeito, tá feito. Nada de preconceito. Qual é o grilo? Não é grilo só não, é que assim que morrem começa a decomposição, então... Ao menos prefira a carne branca, aquela onde o sangue não estanca. Peixe fresco, galinha de quintal, ovo de pai e mãe, tudo em pequenas porções e com montões de verdura pra acompanhar. Quem come muita carne são os leões, os tigres, as panteras, as oncinhas que têm garras pra caçar e não entendem de cozinha."

Lá em 1986 eu lia isso e assinava embaixo. Sonia não comia carne, não era favorável ao consumo de carne, maaaaas entendia que, às vezes, "não tem jeito". Afinal, cuidados na alimentação dizem respeito a você e seu bem-estar, né não? Aí, tempos atrás a Cláudia comentou comigo: "Sabia que a Sonia Hirsch voltou a comer carne?" Não sabia e achei bem esquisito, mas entendi isso como uma flexibilização cabível. Sonia Hirsch é Sonia Hirsch, pô! Se ela não souber o que está fazendo com a própria alimentação, quem saberá?

No programa do GNT a história foi contada. Numa festa de Natal a que tinha sido convidada, ela foi colocar na mesa o prato que havia levado e viu, bem ali do lado, carne de porco. Não lembro se costela ou lombinho, mas era um prato pelo qual ela "era louca" antes de se tornar vegetariana. Aí, pensando no seu prazer e no seu bem-estar, decidiu voltar a comer carne. Porque, afinal, a gente não pode ficar preso a uma cartilha que determina que abramos mão de coisas das quais gostamos. Esse foi o argumento colocado, e a partir dele se entende que negar essa cartilha é, pelo visto, o que ela julga "ser normal".

Nem vou comentar sobre a não percepção da outra cartilha, a que determina que busquemos as coisas das quais gostamos ainda que isso custe a vida alheia, pois vou direto ao ponto que decorre daí: a deliciosa, tranqüilizadora e superior sensação de ser alguém normal. Pode até parecer, mas não foi uma piada com o sentido escorregadio e de saída problemático da palavra "normal". Não foi também apenas um lembrete engraçadinho e infeliz do quanto podemos nos tornar "radicais" ao seguir "ideologicamente" uma dieta, mas antes uma afirmação do quão fora da normalidade estão aqueles que não colocam seus prazeres em primeiro lugar. O clichezão pra lá de surrado: "a obrigação da gente é ser feliz".

Ahã.

Claro, relendo agora o Prato Feito para citá-lo neste post deu pra ver que essa concepção já estava lá, sempre esteve lá e é o mote que agora justifica a volta ao padrão onívoro. Se a vida é pra ser vivida, tratemos de curti-la ao máximo, com o máximo de saúde, o máximo de felicidade. Quem discordaria disso? A pequena concessão à carne nas receitas foi uma porta que nunca deixou de estar aberta, por isso não há nada de surpreendente no retorno de Sonia à sua própria normalidade... é só a "volta dos que não foram".

Defendo que cada um faça consigo o que bem entender, mas puxa: com um mínimo de informação já sabemos que ao escolher um comportamento (ou uma dieta) em vez de outro estamos escolhendo também o tipo e o quanto de impacto e sofrimento infligiremos aos outros seres e ao meio. Nem precisa ser jornalista ou curioso pra saber disso. Dá uma pena danada que mais de 20 anos trabalhando com afinco sobre o tema não tenha aberto para Sonia a porta-para-além-do-próprio-umbigo, mas o que realmente chateia é vê-la sucumbir à tentação dessa normalidade tão... "normal". Ela própria, nas vezes em que se expôs fora do gueto ipanemense dos anos 1970 e 1980, deve ter sentido na pele o que é ser considerado fora da normalidade da maioria bem-pensante. Mas agora a boa filha à casa torna, pela via segura do seu autocentramento. Automotivação. Auto-referência. E, mais triste que tudo, passando uma sensação de desistência. "Se não tem jeito, tá feito". A concessão de 1983 virou aconselhamento em 2007. Não mude. Não saia do lugar. Não coloque idéias novas pra interagir com as idéias velhas. Não olhe para além de suas pequenas preferências e necessidades individuais.

Mas e o coletivo? Bem, do coletivo fique apenas com sua face difusa e não ameaçadora, portanto não se detenha nas contradições que surgem, nas urgências que tiram o seu chão e nos problemas que insistem em gritar na sua cara. Não olhe pra isso. Olhe para a grande massa sem nome ao redor, veja só como você também faz parte dela. É tranqüilizador, não é? A vida de sempre, os hábitos de sempre, as soluções de sempre. O futuro a Deus pertence e o presente é tratar de garantir as satisfações mais imediatas. Pouca farinha, meu pirão primeiro! Ah... não há nada como viver ao máximo a felicidade de uma vida inteiramente normal... Alguém aí discorda disso?

[ a ilustração do post é de Norman Rockwell, Thanksgiving Dinner, 1943 (ou Freedom from Want), da série "Four Freedoms", feita para o Saturday Evening Post a partir de um discurso do presidente Franklin D. Roosevelt; Sonia Hirsch tem um site com informações sobre seus livros e alguns textos disponíveis, que você pode visitar aqui ]

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Adeus ano velho, feliz ano novo

Metade de janeiro, já. Será que ainda dá tempo de desejar feliz ano novo?

Pensando sobre o que postar, resolvi publicar meu balanço de fim de ano. Então lá vai.





o que fiz de realmente importante em 2007:
  • dei espaço para que as caídas de ficha do final de 2006 [ leia (ou releia) aqui ] seguissem naturalmente seu curso interno e operassem as mudanças externas no meu comportamento cotidiano
  • consumi menos
  • li e me informei mais

o que não fiz de realmente importante em 2007:
  • exercício físico

o que quero fazer de realmente importante em 2008:
  • óculos novos
  • injeção de B12
  • consumir menos
  • ler mais
  • exercício físico

A todos que andaram aqui pelo blog visitando e comentando (por escrito ou pessoalmente), meu superobrigado pela atenção e carinho. Valeu demais a troca de idéias, espantos e risadas.
No mais, desejo de coração que este ano seja bacaníssimo para todos os habitantes sencientes deste trepidante planeta: menos sofrimento e mais liberdade. E especialmente para nós, animais humanos: mais lucidez e compaixão, sempre.

Beijo grande e feliz 2008!